No céu tem pão?

Já tinha ouvido falar de Michael Pollan por conta de amigos, e vi entrevistas do cara no YouTube. Fiquei interessada e decidi ir atrás das obras dele. Por algo que foi quase uma conjunção astral (ganhar um vale-compras da Kindle + livros legais em promoção na Amazon), baixei para ler “Cozinhar: uma História Natural da Transformação”, um dos mais recentes.

A obra é dividida em 4 partes, cada uma representando os 4 elementos: fogo (onde ele aborda a arte do churrasco), água (o incrível processo de cozinhar carne de panela), ar (sobre pães) e terra (fermentação).

Basicamente, Pollan apresenta a história dos alimentos e de suas preparações. Mas não é apenas isso: ele apresenta, com citações científicas inclusive, a maneira assombrosa com que a indústria alimentícia moldou nossos hábitos e nos fez comer coisas não tão boas assim pura e simplesmente para garantir mais lucros às empresas. A reunião de pessoas queridas em torno de uma caçarola fumegante foi dando lugar ao hábito solitário de esquentar lasanha congelada no microondas; o pão integral e de fermentação lenta e natural perdeu feio para pães de forma com leveduras quase instantâneas, processos de ultramoagem e “branqueamento” de farinhas, e altos índices glicêmicos. Mas não se preocupe: apesar das informações por vezes chocantes, a leitura é deliciosa e dá água na boca.

Comecei a parte do pão no final de semana e desde então fiquei DESEJANDO LOUCAMENTE fazer um para mim. Hoje eu consegui. Olhem só meu bebê 🙂

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Ele foi feito só com coisas maravilhosas: azeite de oliva, açúcar mascavo, chia, linhaças dourada e marrom, quinoa, castanhas-do-pará, centeio, aveia em flocos, trigo integral fino e grosso, e um tiquinho do branco para dar liga. Demorou pacas (ao contrário da receita da internet, que mandava jogar tudo no liquidificador e bater, fiz uma “esponja”com o fermento biológico seco, juntei tudo e deixei descansar, botei na forma e deixei descansar DE NOVO rs), mas o resultado me encheu de um orgulho imenso, muito maior do que o de qualquer outro prato elaborado que fiz na vida.

Talvez o fato de eu ter feito o alimento MAIS básico da alimentação humana, de EUZINHA ter feito isso com as minhas pequenas (e põe pequenas nisso rs) mãos, represente uma independência alimentar gigante! EU posso dar o alimento! O poder de nutrir pode ser meu também!

Pois é, Pollan já disse em entrevistas que “cozinhar é um ato político”. Posso dizer que concordo em gênero, número e grau com ele.

Oração de um soldado (ou “quatro anos depois”)

Dia 30 de junho de 2011: data da minha formatura em Engenharia Civil. Depois de 06 anos ralando, madrugadas estudando e fazendo projetos, o grande dia tinha chegado. Recebi meu canudo ao som de Madonna, das mãos de um amigo da família, ouvi discursos falando sobre vitória, conquista, etc. Finalmente eu seria um agente de mudança do mundo. I’m so fucking special.

Gozado como a nossa cultura faz a gente medir o valor de nossas vidas pelos chamados “milestones”, os “marcos miliários”, como se fôssemos mudar completamente as nossas vidas e FINALMENTE sermos felizes se fizermos tais coisas: casar, ter filhos, se formar, fazer mestrado, comprar a casa própria. E engraçado também é achar que ser um bom aluno na escola é sinônimo de sucesso que vai além do orgulho da família, que brada a todos os cantos que seu filho é inteligente. É engraçado como a gente é levado a se sentir especial por fazer tudo isso.

No final das contas, não somos tão especiais quanto a publicidade e os nossos pais nos fazem sentir. E se dar conta disso é, ao mesmo tempo, aterrorizante e libertador.

Quando me formei, não tinha o mínimo preparo emocional para aguentar o tranco do mercado de trabalho nem a preparação acadêmica para tanto. Eu tinha de produzir, mas não conseguia; de não conseguir, minha autoestima ficava ainda pior; de piorar, produzia ainda menos. E assim vai… saí de uma empresa, abri uma sociedade… mas continuava a mesma coisa.

Aí joguei tudo para o alto e fui fazer mestrado, acreditando que ser professora era a minha vocação, que não tinha nascido para desempenhar o papel de engenheira, que iria dar adeus à minha carreira inicial. Fui dar aulas no meio do caminho, e vi que é interessante a docência, mas que ainda não é a minha hora de tomar o rumo acadêmico em definitivo.

Quatro anos depois de pegar meu canudo, tento fazer as pazes com a engenharia e procuro um botão de “reset”, pois a cabeça agora está finalmente madura para começar no mercado… mas já sou macaco-velho, com um CREA nas costas e botões de reinício só existem em computador.

Quatro anos depois de jogar o capelo ao som de “I Gotta Feelin'” (clichê máximo de colações de grau rs), vejo-me olhando de volta para tudo o que estudei, tudo o que passei, o quanto mudei e me perguntando qual o caminho a seguir.

Quatro anos depois da formatura, e quase dez anos após o vestibular, pego-me recitando um verso da canção “A Katona Imája”* do Ákos: “Igaszág lelke – most legyél velem”**.

Quatro anos após fazer o juramento de “trabalhar em prol do homem e não da máquina”, penso que preciso trabalhar mais em prol de mim. Tal qual prometi para mim mesma na aula inaugural de agosto de 2005.

É. Talvez seja hora de fazer isso mesmo.

* Título da canção (em húngaro) que também é o título do post.

**Espírito da verdade, por favor esteja comigo (tradução livre).