Oração de um soldado (ou “quatro anos depois”)

Dia 30 de junho de 2011: data da minha formatura em Engenharia Civil. Depois de 06 anos ralando, madrugadas estudando e fazendo projetos, o grande dia tinha chegado. Recebi meu canudo ao som de Madonna, das mãos de um amigo da família, ouvi discursos falando sobre vitória, conquista, etc. Finalmente eu seria um agente de mudança do mundo. I’m so fucking special.

Gozado como a nossa cultura faz a gente medir o valor de nossas vidas pelos chamados “milestones”, os “marcos miliários”, como se fôssemos mudar completamente as nossas vidas e FINALMENTE sermos felizes se fizermos tais coisas: casar, ter filhos, se formar, fazer mestrado, comprar a casa própria. E engraçado também é achar que ser um bom aluno na escola é sinônimo de sucesso que vai além do orgulho da família, que brada a todos os cantos que seu filho é inteligente. É engraçado como a gente é levado a se sentir especial por fazer tudo isso.

No final das contas, não somos tão especiais quanto a publicidade e os nossos pais nos fazem sentir. E se dar conta disso é, ao mesmo tempo, aterrorizante e libertador.

Quando me formei, não tinha o mínimo preparo emocional para aguentar o tranco do mercado de trabalho nem a preparação acadêmica para tanto. Eu tinha de produzir, mas não conseguia; de não conseguir, minha autoestima ficava ainda pior; de piorar, produzia ainda menos. E assim vai… saí de uma empresa, abri uma sociedade… mas continuava a mesma coisa.

Aí joguei tudo para o alto e fui fazer mestrado, acreditando que ser professora era a minha vocação, que não tinha nascido para desempenhar o papel de engenheira, que iria dar adeus à minha carreira inicial. Fui dar aulas no meio do caminho, e vi que é interessante a docência, mas que ainda não é a minha hora de tomar o rumo acadêmico em definitivo.

Quatro anos depois de pegar meu canudo, tento fazer as pazes com a engenharia e procuro um botão de “reset”, pois a cabeça agora está finalmente madura para começar no mercado… mas já sou macaco-velho, com um CREA nas costas e botões de reinício só existem em computador.

Quatro anos depois de jogar o capelo ao som de “I Gotta Feelin'” (clichê máximo de colações de grau rs), vejo-me olhando de volta para tudo o que estudei, tudo o que passei, o quanto mudei e me perguntando qual o caminho a seguir.

Quatro anos depois da formatura, e quase dez anos após o vestibular, pego-me recitando um verso da canção “A Katona Imája”* do Ákos: “Igaszág lelke – most legyél velem”**.

Quatro anos após fazer o juramento de “trabalhar em prol do homem e não da máquina”, penso que preciso trabalhar mais em prol de mim. Tal qual prometi para mim mesma na aula inaugural de agosto de 2005.

É. Talvez seja hora de fazer isso mesmo.

* Título da canção (em húngaro) que também é o título do post.

**Espírito da verdade, por favor esteja comigo (tradução livre).

4 Respostas para “Oração de um soldado (ou “quatro anos depois”)

  1. Gostei do post, Mandy!
    Depois de mais de dez anos de formada, concluo que essa busca de que você fala é intrínseca a quase todo mundo. Das pessoas que conheço, principalmente as que se formaram comigo, pouquíssimas sabiam ou sabem que caminho queriam ou querem seguir “para sempre”. Imagino que não dá para saber. Enquanto isso, vamos trabalhando, experimentando e vendo o que funciona, o que nos estimula, e descartando o resto ou deixando engavetado o que não funciona agora, mas pode funcionar depois.
    O importante mesmo é continuar buscando por algos que nos estimulem mais do que cansem, que nos deixem mais satisfeitos que estressados/deprimidos. Uma hora encontramos.
    :-***

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    • Eu sei, Aline. Mas é muito frustrante quando você investe anos de sua vida na faculdade para depois dar com os burros n’água. Quando me dei conta de que ser a melhor aluna não é sinônimo de ter sucesso profissional depois, o ego ficou dolorido… mas vamos em frente.
      Que bom que você gostou do texto :*

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  2. Texto perfeito, mostra exatamente o que todos (sem exceção) sentem ao pegar esse canudo, que vem não só recheado com o “diploma de conclusão do curso” mas acompanha no recheio as experiências de todo o percurso da faculdade e a grande duvida, o grande medo…. Meu Deus, estou pronto mesmo??? Amanda, todos passam por esse sentimento, e eles fazem parte da construção do profissional que acaba de nascer! Você trilhou um caminho repleto das mais variadas dúvidas mas manteve sempre a sua integridade e ética! E isso faz de você a profissional competente que é hoje! Acredito que você já fez as “pazes” com a engenharia, pois ela é e sempre será a sua formação de base, o inicio do caminho que você percorreu e continuará percorrendo na sua vida profissional, tudo parte dela, pois faz parte das suas experiências e vivências!!! Parabéns por esses 4 anos!

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